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Ana Simão, voluntária na Associação Salvador, lança livro ““A Menina dos Ossos de Cristal”. Quisemos saber mais sobre a Ana.

A Menina dos Ossos de Cristal Ana Simão

Ana Simão, a autora do livro “A Menina dos Ossos de Cristal” fala do seu percurso de vida repleto de luta e persistência para a concretização dos seus sonhos.

Associação Salvador: A osteogénese imperfeita é uma doença congénita, rara, que se caracteriza por fraturas espontâneas e frequentes dos ossos. Como foi crescer com esta doença?

Ana Simão: Foi estranho. Não percebia por que estava sempre internada em hospitais e os outros meninos não. Não convivia com as outras crianças mas consegui sempre adaptar-me às novas situações que iam surgindo. Mesmo metida nos casulos de gessos sem me conseguir mexer eu inventava histórias e com os meus brinquedos a minha imaginação voava para todo o lado. Quando entrei na adolescência, percebi que era diferente das outras meninas. Foi difícil aceitar o meu corpo porque ele não se enquadrava nos padrões de beleza das outras raparigas da minha idade. Também convivia pouco com jovens da minha idade e também não saía de casa devido às limitações físicas e falta de acessibilidades. Na altura era bem pior do que agora.

Associação Salvador: O que é que uma deficiência muda na vida de uma pessoa? O que é que teve de deixar de fazer que gostaria muito de ter feito e como é que, psicologicamente, se lida com isso?

Ana Simão: O facto de passar longos períodos em hospitais, privada de muitas coisas, o contacto precoce com adultos e o pouco convívio com outras crianças, fizeram com que me tornasse adulta muito cedo, tendo saltado patamares importantes para o desenvolvimento. As limitações da própria deficiência ensinaram-me a valorizar as coisas mais simples e banais e a aprender a ser feliz assim.

O que eu mais gostaria de ter feito era viajar, conhecer novos povos, culturas e tradições. Como isso é difícil, procuro viajar através da leitura e da escrita, pois dessa forma consigo libertar-me da prisão que é o meu próprio corpo e viajo através da imaginação.

Associação Salvador: Esteve internada muitas vezes, ainda assim, conseguiu trabalhar, licenciar-se e fazer uma pós-graduação, além de ser ver envolvida noutros projetos. Como é que se consegue?

Ana Simão: Foram tantos os internamentos em criança e em adulta que até lhes perdi a conta. Em criança, frequentei muitas vezes a escola no hospital. Aos 15 anos, ainda só tinha completado o 4ª classe. Os meus pais com a sua super proteção excessiva não queriam que eu saísse de casa nem que estudasse. Compraram uma máquina de costura e isso seria, quanto a eles, o meu futuro. Mas não era isso que eu queria e tive que lutar muito. Fui estudar com uma bolsa de estudo e aos 19 anos já tinha o 12º ano completo. Fui trabalhar para a Câmara Municipal de Santarém, depois consegui tirar a carta de condução e ter o meu próprio carro adaptado, o que me deu uma grande independência. Seguiu-se o curso superior como trabalhadora-estudante e mais tarde a pós-graduação no ISCTE. Isto tudo foi conseguido com muita luta e persistência, devido às limitações que tenho. Penso que as nossas limitações são um desafio e impulsionam-nos ainda mais para uma maior capacidade de entrega aos nossos projetos e objetivos. Cada conquista é celebrada com mais alegria, penso.

Associação Salvador: É a autora do livro “A Menina dos Ossos de Cristal”. Como surge este livro? Foi mais uma batalha que se propôs a travar?

Ana Simão: Há cerca de três anos tive um grave acidente que piorou bastante o meu estado de saúde. Então o meu médico, ao ver que nada mais havia a fazer, aconselhou-me a ter acompanhamento psicológico. Foi durante esse processo que a psicóloga, sabendo que eu gostava de escrever me sugeriu que eu escrevesse só para mim. Comecei a escrever como uma terapia e fez-me bem, pois consegui passar para o papel o que não conseguia verbalizar com ninguém. Só mais tarde a ideia do livro começou a ganhar forma de um projeto sério. Enviei uma proposta para várias editoras e, felizmente, fui contactada por uma boa editora que mostrou todo o interesse em publicar a história da “Inês”, que é a protagonista do livro “A Menina dos Ossos de Cristal”.

Associação Salvador: O livro “A Menina dos Ossos de Cristal”, que está a ter uma cobertura mediática interessante, quais foram os seus objetivos ao escrever este livro?

Ana Simão: Voltando novamente atrás, devido ao agravamento do meu estado de saúde fui obrigada a reformar-me por invalidez. Custou-me muito aceitar isso. Só na altura percebi que me tinha dedicado por completo ao trabalho, aos estudos e à minha carreira. Senti-me completamente perdida, sem rumo e com aquela sensação de que “já não sirvo para nada”. Foi então que a ideia deste livro começou a ganhar a forma de projeto, por um lado para preencher a minha vida já que gosto de escrever, e por outro para divulgar a Osteogénese Imperfeita, a deficiência e a diferença numa partilha constante de vivências e experiências. Seria egoísta se não o fizesse.

O livro retrata a vivência marcante de uma menina rara e também a forma como isso é percepcionado por todos os que a rodeiam, principalmente a família que não sabe lidar com a deficiência. É um testemunho em que cada um de nós se pode rever, quer seja como doente, familiar, amigo, cuidador, profissional de saúde, voluntário ou, simplesmente, como um cidadão observador atento da sociedade. A atuação dos profissionais de saúde, dos voluntários e de todos os que rodeiam “A Menina dos Ossos de Cristal” nos hospitais são aqui retratados pelo seu olhar e pelo seu sentir: um olhar de RX e um sentir de gente que sente. A vivência marcante no meio hospitalar levam a “A Menina dos Ossos de Cristal” a descobrir a felicidade nas coisas mais simples e banais e ensinam-lhe muito sobre a finitude, a fragilidade, a sobrevivência e a vulnerabilidade humana. Há dias perguntavam-me qual era minha música preferida. Respondi: –  “Jardins Proibidos” de Paulo Gonzo e logo acrescentei:

 – “A Menina dos Ossos de Cristal” teve tantos jardins proibidos!

«A Menina dos Ossos de Cristal» é muito mais do que um livro sobre a experiência desta doença. É um livro sobre a vontade de viver uma vida plena, cheia de amor, superando as mais injustas e feias adversidades. Este livro é um hino ao amor e à felicidade, porque “a menina” celebra cada pequena conquista, aprendeu desde a infância a valorizar isso e celebra a vida acima de tudo.

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