Desde sempre que o desporto fez parte da tua vida. Aos 19 anos, sofreste um acidente que te deixou tetraplégico. De que forma é que o desporto te ajudou a enfrentar e a aceitar esta nova realidade?
Acho que o desporto ajudou a relativizar as dificuldades. Além disso, facilitou a integração numa normalidade que procurava desde o acidente. Por sua vez, a vertente competitiva permitiu abrir novos horizontes e começar uma carreira assente em objetivos. Não mais pensei em fisioterapias, exercícios de reabilitação e afins. O treino absorvia toda a nossa atenção, minha e do treinador, e dessa forma, ajudou-me em todas as vertentes da minha integração.
Que conselho darias a um jovem adolescente que, como tu, se visse, de um dia para o outro, numa cadeira de rodas?
A cruzada é imensa e não dá para pôr paninhos quentes. Acho importante o recurso a uma qualquer forma de apoio psicológico. Digo isto porque precisei e não tive. De qualquer forma, ultrapassado o processo traumático, importante mesmo é conciliar-se com a nova condição, unir-se a grupos que partilhem interesses comuns e do qual a nossa Associação Salvador é exemplo singular e definir objetivos realistas e que vão de encontro aos seus interesses. Ter atividades regulares, como um emprego e um ou mais hobbies é importante para a subsistência e realização pessoal.
Deve manter-se informado sobre o state-of-the-art da regeneração medular espinal mas não viver condicionado pelos “avanços” anunciados frequentemente. A minha regra é “enquanto pessoas como Stephen Hawking, Christopher Reeve ou Frank Williams andarem em cadeira de rodas… eu também andarei”.
Interiorizar a máxima de que “É possível ser feliz assim!”
Quando é que foi a tua primeira participação nos Jogos Paralímpicos? O que sentiste?
Foi há 5 anos, nos Jogos do Rio. A surpresa da convocatória levou-me a um acto impulsivo que se concretizou em tatuar o símbolo desses Jogos. A primeira e única tatuagem! Gostava muito que a segunda fosse dos Jogos de Tóquio.
A fase em território nacional, antes da partida foi ganhando intensidade, que culminou com a receção junto dos mais altos magistrados da Nação. No evento todos os elementos da comitiva receberam um abraço do Sr Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa e foram tiradas as primeiras selfies.
No Rio de Janeiro, o ambiente proporcionado pelo povo carioca foi excecional. Tudo era alegria e curiosidade, contrastando com o poderoso corpo policial militarizado, omnipresente em todos os cantos. Em certas ocasiões senti-me numa bolha que, a qualquer momento, poderia rebentar. Felizmente, tudo correu sempre muito bem e ordeiramente.
Na aldeia paralímpica tivemos a constatação da real dimensão daquela organização. A quantidade e diversidade de atletas era imensa. Num dos primeiros dias cruzei-me com o Alex Zanardi, o famoso piloto renascido handbiker. Seguia com um daqueles auxiliares de propulsão elétrica que agora são comuns. Trocámos cumprimentos e seguimos, como a coisa mais natural deste mundo.
A sensação foi sempre de muita emoção, alegria e agradecimento.
Como é participar nos Jogos Paralímpicos e representar (tão bem) as cores da nossa bandeira?
Os Jogos marcam o culminar de um longo período de 4 anos, em que desenvolvemos as nossas capacidades através da aplicação de métodos de treino, também estes sujeitos a revisões e atualizações. Não só o atleta melhora o conhecimento sobre si próprio, o mesmo se passa com o treinador. Nos Jogos, todo este trabalho, este caminho, esta aprendizagem, são escrutinados numa prova que pode ter apenas 100m. Esta circunstância, que tem tanto de stressante como de estimulante, acaba por ser o combustível para avançar ao tiro de partida, de forma decidida e determinada. Geralmente, quando estes ingredientes estão presentes, os desafios correm bem.
És um participante assíduo das diferentes atividades de Desporto Adaptado da Associação Salvador. O que representam para ti estes momentos?
Acima de tudo são momentos de convívio entre amigos e uma salutar oportunidade para experimentar atividades e jogos que, de outra forma, seriam inacessíveis. Com o nosso exemplo acabamos por motivar outros a participar. Além disso, a prática habitual, no ginásio, acaba por complementar o treino específico, em pista.